País testará remédio para prevenir HIV entre os jovens, informa “Folha de S. Paulo”

Postado em 16/12/2015

Um comprimido por dia para prevenir o HIV em pessoas com maior risco de contrair o vírus. Esse é o modelo da chamada profilaxia pré-exposição, que deve ser alvo de dois novos estudos em larga escala no país. Pela primeira vez, o Brasil terá como estratégia de saúde pública uma pesquisa para avaliar o uso de um medicamento preventivo contra o HIV por adolescentes de 16 a 19 anos que se consideram mais suscetíveis ao As informações foram publicadas neste domingo (12) no jornal "Folha de São Paulo".

Até então, os estudos eram conduzidos apenas em adultos que também fazem parte de populações de risco ampliado para o vírus, como homens que fazem sexo com homens e transexuais. Agora, a ideia dos dois estudos é ampliar os testes da terapia preventiva para mais participantes e incluir os mais jovens.

A PrEP, sigla usada para a profilaxia, é composta pela associação, em uma só pílula, de dois antirretrovirais: tenofovir e emtricitabina. No mercado internacional, o remédio preventivo tem o nome comercial truvada.

Em geral, o usuário acompanhado na terapia toma um comprimido por dia como forma de obter a prevenção ainda antes da relação sexual.

O modelo é diferente da profilaxia pós-exposição, já adotada no Brasil, em que outros medicamentos são usados após possível contato com o vírus, seja por vítimas de estupro, trabalhadores de saúde ou pessoas que fizeram sexo desprotegido.

A eficácia do truvada é comprovada na literatura médica, desde que ele seja usado de forma correta. "Se o remédio está no sangue na hora da relação sexual, a proteção chega a quase 100%", diz o infectologista Esper Kallás.

A ideia, agora, não é verificar a eficácia, mas testar se pessoas em situação de risco ampliado para o HIV aceitam tomá-lo como alternativa ao combate à epidemia de aids, especialmente entre jovens.

Cerca de 1.800 adolescentes sexualmente ativos devem participar do estudo, previsto para começar no primeiro semestre de 2016. Já a amostra da nova pesquisa em adultos ainda não foi definida.

Análise de risco

Hoje, o grupo de 15 a 24 anos é um dos mais vulneráveis à aids. Nos últimos dez anos, a taxa de detecção da doença diminuiu 6,5% na população geral, mas subiu 41% nessa faixa etária. No país, a estimativa é que 781 mil pessoas convivam com o HIV.

Devem participar do estudo só jovens e adultos sexualmente ativos e considerados de risco ampliado –caso de gays e transexuais. "São populações com 12 a 30 vezes mais casos que a população geral", diz Fábio Mesquita, diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

Ele ressalta que, mesmo com o uso da estratégia preventiva, não é recomendável descartar a camisinha, uma vez que o preservativo protege contra outras doenças e reforça a proteção.

"É a primeira vez que [o método] será oferecido em uma escala real", diz Lelio Marmora, diretor-executivo da Unitaid, organização que estuda novas políticas contra Aids e financiará o projeto no Brasil.

O programa também deve envolver Unicef, Unaids (braço da ONU para aids), Fiocruz e universidades, com apoio técnico do ministério, que avalia a inclusão da PrEP no SUS.

Hoje, o truvada pode ser encontrado nos EUA a custos de até US$ 2.500 por usuário/ano. Aqui, aplicado em larga escala e distribuído a mais países, a Unitaid estima que o valor pode cair a US$ 100.

Para Georgiana Braga, diretora do Unaids no Brasil, a ideia é complementar o leque de opções para prevenir o HIV. "Fazendo um paralelo com saúde reprodutiva, tem camisinha, DIU, anticoncepcional e outras opções. A ideia é fazer a mesma coisa."

Preocupação

O receio de contrair o HIV foi o que incentivou Almir França, 55, a incluir, há um ano e meio, o uso de uma pílula preventiva contra o vírus em sua rotina diária.

"Minha geração toda morreu. Sou um sobrevivente disso", afirma ele, presidente do grupo Arco-íris, no Rio, que representa lésbicas, gays, bissexuais e transexuais.

Ele participa de um estudo sobre a estratégia e diz que se sentiu mais tranquilo com a medicação. Não deixou a camisinha, mas aumentou a prevenção. "A eficácia é maior."

Hoje, Almir está do lado oposto de um debate já esperado pelas autoridades de saúde diante do anúncio de novos estudos sobre a PrEP (profilaxia pré-exposição).

Afinal, o uso de medicamentos anti-HIV pode estimular as pessoas a deixarem outras formas de prevenção, como a camisinha? "É uma polêmica interessante e que estamos esperando", diz o diretor Fábio Mesquita.

A infectologista Valdiléa Veloso, que coordena estudo já em andamento sobre a adesão ao método, chama de "falácia" o argumento de que o medicamento preventivo pode limitar a camisinha.

Discussão semelhante ocorreu quando o governo começou a distribuir antirretrovirais para o tratamento de portadores de HIV. "Falavam que as pessoas iam deixar de se prevenir", diz a pesquisadora da Fiocruz.

Mesmo que haja redução no uso de camisinha, o importante é reduzir a transmissão do HIV, defende Esper Kallás, da Faculdade de Medicina da USP. Para ele, é preciso oferecer alternativas.

Pesquisa do Ministério da Saúde mostra que, ao mesmo tempo em que 94% da população sexualmente ativa do país aponta a camisinha como a melhor forma de prevenção à aids, 45% desse grupo não a usou no último ano.

"Se, para algumas pessoas, o uso de camisinha é difícil, temos que oferecer outra proteção", afirma Kallás.

"Muitos podem dizer que vai estimular o comportamento de risco. É o oposto: esse comportamento já acontece em todas as faixas. Não se pode virar as costas a isso por questões morais", diz.